domingo, 29 de março de 2015



BLACK SABBATH

Em fevereiro de 1970, eu tinha um ano e meio de idade. Não imaginava que eventos que seriam tão significativos em meu futuro estariam ocorrendo tão distante de minha realidade, kilômetros e kilômetros atravessando o Atlântico.
Nesse intervalo de tempo, toda uma história de vida se constrói. O mundo e suas relações geopolíticas se modificaram centenas de vezes. Guerras começaram e terminaram, mapas foram alterados, a história seguiu seu percurso.
E a arte também. A música, mais especificamente, viu nascer e morrer diversos estilos ou tendências, além das próprias formas de sua fruição.
Mas o Black Sabbath permanece.
Sofreu, também, efeitos da passagem do tempo, mas permanece.
E continua relevante. As pessoas ainda param pra ouvir o que o Black Sabbath está fazendo. Da pequena bandinha de botecos até se tornar influência e, por fim, ocupar o zênite de músicos acima do bem e do mal, de artistas que transcenderam conceitos e tornaram-se definições, adjetivos. Sabbathico.
Porém, o mesmo tempo que louvamos por conduzir o Sabbath até onde chegou é o tempo que amaldiçoamos por tirar nossa ingenuidade e esvanecer nossas impressões. A música do Black Sabbath transmitia medo. Era palpável. Foi assim que eu o percebi nos primeiros anos de doutrinação metálica, quando eu era ignaro em relação a todos os conceitos da arte heavy metal. O efeito daquelas três notas da música homônima, o trítono proibido e emoldurado por tambores soturnos assustava. Música não deveria ser algo para falar de amor e alegria? Não era isso que a nossa cultura informava? De repente, conhecer algo, uma melodia, que soava tão estranha e deslocada daquilo a que estavamos acostumados, nos fazia voltar as agulhas para o começo várias e várias vezes, em um misto de fascinação e curiosidade, com o silêncio e a concentração típicas de quem está assistindo um filme de horror, sozinho, à noite.
Por diversas vezes, já li em entrevistas que apenas a formação original é capaz de executar as músicas dos primeiros discos de modo correto. E eu concordo. Correto, aqui, não significa a afinação perfeita ou o tempo das músicas. Significa a interação única entre aqueles quatro ingleses. A influência que a respiração de cada um tem no andamento das faixas. Muito se diz que Bill Ward seria mais um percursionista do que um baterista e eu também estou de acordo. O seu desempenho, principalmente nas duas primeiras músicas, cujos riffs deixam bastante espaço pra preenchimento, escancara isso. A voz estranha de Ozzy, o anti-Robert Plant, atuando como elemento essencial do arranjo, e a interação única entre as cordas de Tony Iommi e Geezer Butler, completam esse autêntico conjunto. Bandas existem aos montes, mas conjuntos - conjunção de características que se mesclam e se completam resultando em uma unidade ímpar – existem poucas, e o Black Sabbath original é uma delas.
Como é típico dos álbuns de estréia dos grandes nomes, lançados naquele tempo, esse aqui contém números que se consagraram para a eternidade, como Black Sabbath, The Wizard e N.I.B., covers, como Evil Woman, e experimentação, como a dobradinha Sleeping Village e Warning, sendo essa última repleta de momentos zeppelinianos (outro adjetivo).

Tudo que eu falei até agora não alcança uma ínfima parte do que eu gostaria de dizer ou do que eu sinto sobre esse disco e essa banda. Mesmo que eu continuasse a escrever, não chegaria em momento algum a um final que fosse satisfatório. Recentemente, eu estive em Santiago e fui conhecer o bar Hard Rock Café de lá. Havia, exposta no local, uma guitarra do Tony Iommi. Uma Gibson preta com as marcações em forma de cruz. Creio que eu passei uns cinco minutos parado, em silêncio, olhando pra ela. O que eu senti, naquele momento, as palavras que eu não verbalizei, são as mesmas que eu usaria para concluir esse texto. 

domingo, 15 de março de 2015



KROKUS – HEADHUNTER

No mundo do show business é tênue a linha entre o sucesso e o esquecimento. Longe de mim dizer que o Krokus pertence a esse último grupo, mas a exposição que o grupo tinha, nos primeiros anos da década de 80, levava a crer que eles teriam mais popularidade do que detem hoje. O Krokus era uma banda em rápida ascensão, que fazia bastante sucesso. Hoje, é, infelizmente, pouco lembrada.
As razões para que isso tenha acontecido eu desconheço, mas arrisco um chute: a tentativa de abarcar uma fatia maior do mercado norte-americano, direcionando o som e o visual para o campo do glam metal. Nada contra o estilo, mas uma coisa é nascer glam metal e outra, bem diferente, é querer virar glam. O Krokus já tinha uma identidade sonora e visual, fazendo um rock visceral, ríspido e cru. Investir nesse tipo de redirecionamento, naquela altura da carreira, levando-se em conta que a época coincidiu com o advento do thrash metal, talvez não tenha sido a melhor estratégia.
O status do Krokus é, em parte, semelhante, ao do Scorpions: pioneiros do rock pesado em uma nação sem tradição no gênero. Ao contrário, porém, da proliferação de bandas germânicas que o tempo revelou, a Suiça, pequeno país encaixado entre a Itália, Alemanha, França e Austria, não foi tão fértil na geração de artistas relevantes dentro do estilo. Fora o Krokus, apenas o Coroner, o Samael, e o Celtic Frost – com suas encarnações Hellhammer e Triptykon – obtiveram algum destaque no cenário internacional.
Headhunter é, portanto, o ápice do desempenho do Krokus em estúdio. Uma observação constante que se faz em relação à banda é o que se refere a sua fortíssima influência de AC/DC. De fato, em alguns momentos de sua discografia, essa marca é tão presente que chega à beira do incômodo. Não que eu não goste da banda australiana, mas é porque só existe um AC/DC e o Krokus sempre demonstrou talento suficiente para desenvolver uma sonoridade própria. Headhunter comprova isso.
A primeira música, que leva o nome do disco, já nasce como clássica. Um arrasa-quarteirão, começando com uma levada de bateria, em ritmo locomotiva, acompanhada de um baixo pedal. Talvez a pegada mais agressiva desse disco possa ser, em parte, creditada ao produtor Tom Allon, que tem uma longa folha de serviços prestados junto ao Judas Priest. Rob Halford inclusive aparece, fazendo backing em Ready to Burn. Mas os méritos maiores são mesmo da banda, que tem o seu núcleo principal no vocalista Marc Storace e nos guitarristas Mark Kohler e Fernando von Arb, o principal compositor do grupo.
A faixa seguinte, Eat the Rich, é apenas legal. Parece que ninguém consegue fazer alguma música realmente boa com esse título. Felizmente, a próxima, Screaming in the Night, é uma grande canção. Um número de peso com emoção que soa como um cruzamento entre Kiss e Accept, nos momentos em que eles investiram nesse tipo de melodia. Essa é a única faixa do disco que continua presente nos setlists e assim merece permanecer.
A já citada Ready to Burn é a inevitável presença acdciana no disco. Night Wolf e Stand and be Counted são típicos exemplos de metal do comecinho dos anos 80. Entre elas, temos um cover de Stayed Awake All Night do Bachman-Turner Overdrive, que não acrescenta muito. Chegando ao final tem White Din que é apenas uma vinheta, mas que insinua a chegada de algo impactante e, de fato, a próxima faixa – a última do disco – é Russian Winter, que só não é melhor porque é amaldiçoadamente curta. Ela termina e você fica com a sensação de que ela poderia, facilmente, ser mais desenvolvida. Mas isso não desmerece a mesma.

Da mesma forma, o caminho que o Krokus tomou a partir desse álbum não o desmerece. A banda continua ativa e fazendo bons discos. Não vai conseguir, a essa altura, recuperar a trajetória ascendente que vinha percorrendo. Mas quem se preocupa com isso?

domingo, 8 de março de 2015



TANKARD – BEST CASE SCENARIO

Guitarra, guitarra, guitarra… Só se fala em guitarra e no seu impacto para o desenvolvimento do rock. Tá certo que esse instrumento tocado por alguns egocêntricos tem o seu valor e importância indiscutíveis, mas – grande injustica – pouco se lembra de outro elemento tão importante quanto – se não mais – para que o rock chegasse aonde chegou:
A cerveja!!!!!
Quantas bandas não foram formadas sob as bençãos do divino líquido, quantos ensaios não foram regados por ela, quantos riffs não foram criados sob sua influência? Quantos shows, festivais, reuniões de fãs não ocorreram com o seu consumo??? A cerveja é onipresente na cultura do rock´n´roll!!! Felizmente, uma banda, apenas uma banda, soube corrigir o rumo das coisas e colocar a cerveja em seu devido lugar, como o ponto central de inspiração para suas canções.
O Tankard, das assim chamadas quatro grandes bandas do thrash metal alemão, foi a que menos cresceu, em termos de mercado, mas isso não diminuiu a sede que impulsiona sua existência . O Kreator se leva a sério demais; o Destruction encarna todas as especificidades do estilo thrash; o Sodom assumiu um postura motorheadiana com foco nos temas de guerra… o Tankard, por outro lado, agregou o que podia do punk e do hardcore e trouxe isso para a mesa do bar, onde os amigos sentam e avacalham com os assuntos sérios, conversam besteira e dão risada. O que existe de melhor pra fazer na vida???
Esse album é uma coletânea de regravações feito para comemorar os 25 anos da banda. São os maiores clássicos da primeira fase da carreira, refeitos pela atual formação, que mantem-se entrosada e inalterada pelos últimos 15 anos. Embora esse tipo de disco seja recebido com algumas ressalvas pela maioria, o presente trabalho pode ser apreciado sem objeções, pois o Tankard não sofreu mudanças significativas na sua sonoridade ao longo do tempo, então não haverá descaracterização nas canções apresentadas. O diferencial, portanto, está na oportunidade de ouvir as músicas antigas com uma produção melhor. Só para constar, ressalto que o disco vem com um cd bonus com um tributo de várias bandas ao Tankard, mas o meu foco aqui é a banda principal.
A ordem das faixas obedece o critério cronológico, então a primeira música só poderia ser Zombie Attack, que abriu o disco de estréia da banda, de mesmo nome, lançado em 1986. Preferências pessoais à parte, eu gosto mais dessa versão do que da original, por achar que ela tem mais ataque, principalmente no primeiro compasso do refrão. A partir dela, segue-se uma bem selecionada seleção de clássicos, percorrendo tudo que a banda fez em seus oito primeiros discos, de Zombie Attack até The Tankard, acrescentando o EP Alien na conta.  Estão presentes, portanto, músicas como Don´t Panic, a punk rock Space Beer, 666 Packs, Beermuda, (Empty) Tankard, o medley com Alcohol, Puke, Mon Cheri e Wonderful Life, e, concluindo o album, uma das minhas preferidas: Minds on the Moon.
O legal do Tankard é que, apesar da fama mundial, a banda existe por puro amor à música, tal qual qualquer banda de algum amigo seu. Ninguém ali sobrevive da carreira musical, todos tem emprego fixo e o Tankard funciona durante as folgas, como uma atividade prazerosa.

Assim como a cerveja depois do expediente.

domingo, 1 de março de 2015



CANDLEMASS – EPICUS DOOMICUS METALICUS

Heavy Metal significa metal pesado. Por mais que essa afirmação possa ser digna favorita ao prêmio nobel de obviedade, esse é um conceito nem sempre lembrado pelos representantes do estilo.
Metal pesado. PE-SA-DO. Metal, tudo bem, é uma idéia meio abstrata em relação à música. Uma associação feita com o material de que são feitas as motocicletas. Pesado, por outro lado, é um termo preciso, definido. Uma força relacionada a massa e a gravidade, segundo a Física. Na música, é a sensação de esmagamento provocado pelas notas, de uma compressão que lhe força contra o chão, espremendo suas temporas.
Diversas bandas não tem, ou perderam, essa característica. Ainda fazem boa música, claro, mas com peso inexpressivo. Daí, então, deve ter surgido a necessidade do doom metal ter adotado uma nomenclatura própria: para diferenciar a corrente de metal em que o peso está em primeiro plano. Privilegiar o peso acima da velocidade, privilegiar o peso acima da melodia vocal, privilegiar o peso acima até do alcance que a banda pode obter pois, uma música tão densa, tão soturna, não é feita para locais amplos. É feita para pequenos clubes, para locais onde a pressão sonora possa empurrar as paredes.
Epicus Doomicus Metalicus, primeiro álbum da banda sueca Candlemass, é um daqueles discos que já nascem ditando as regras do estilo. A sua devida apreciação necessita que você dedique um tempo específico para ele, para sua audição, por mais fora de moda que isso seja hoje em dia. Se você ouvir esse disco enquanto dirige, ou enquanto lava a louça, pode não atentar para sua profundidade. Apesar de ter apenas seis faixas, essas são razoavelmente longas, fazendo com que o disco tenha, ao seu final, 42 minutos. Mesmo sendo um trabalho anterior aos lançamentos feitos pela formação clássica da banda, com a entrada do lendário Messiah Marcolin no vocal, o album de estréia permanence considerado como sua melhor obra, e esse mérito deve também ser creditado ao trabalho de Johan Lanquist, muito bem encaixado dentro da proposta musical do grupo, interpretando as canções com a dose certa de dramaticidade.
Tendo sido lançado no mesmo ano que viu a chegada de Master of Puppets, Reign in Blood, Pleasure to Kill e Peace Sells, o Candlemass não se furtou de ir na contramão da velocidade e, logo de cara, na primeira faixa, Solitude, já dá suas cartas, impondo a sua lentidão funebre. Não é a toa que o seu fundador, Leif Edling, é baixista, e, portanto, escancarou os graves como força motora da sonoridade do conjunto. Assim é que as músicas seguintes, Demon´s Gate e Crystal Ball, surgem com riffs hipnóticos, exalando desespero e carisma.

Black Stone Wielder começa com mais dinamismo, mas sem se afastar do clima que permeia o album. Quando se chega nesse momento do disco, já deu pra perceber que os solos, quando surgem, são curtos, breves intervenções dentro de cada peça encenada. E é um solo que abre Under the Oak, onde, apesar da diferença na pegada, eu percebo um pouco de influência do Mercyful Fate. A Sorcerer´s Pledge é a última música. Climática, com seu início dedilhado e riff seco, concluindo a audição com a certeza de ter, durante um breve espaço de tempo, desfrutado de um disco diferenciado, cujas faixas transmitem coerência tal qual a sensação de ter “escutado” um filme, uma narrativa tão sombria quanto épica. A palavra doom pode ser traduzida, como destino, fim-do-mundo, ou outros conceitos semelhantes, mas durante esse disco, cuja música soa como um ribombar, doom também é a onomatopéia perfeita para o som que se escuta: doom… Doom… DOOM…