domingo, 28 de dezembro de 2014

GENESIS - SELLING ENGLAND BY THE POUND


A voz dá início à canção, entoando a melodia à capela, com forte acento barroco. A letra fala da velha Inglaterra e, portanto, a pegada folk é mais do que apropriada. Aos poucos, os demais instrumentos vão se juntando, encorpando a música, até explodirem no refrão. Essa é Dancing With the Moonlight Knight. Os timbres de guitarra e melotron, que vão se sucedendo, remetem imediatamente à década de 70, época de ouro do hard rock e do progressivo, que muitos tentam reproduzir hoje em dia, falhando miseravelmente no processo.
O Genesis sempre foi uma banda onde os talentos ocupavam uma situação de equilíbrio entre si. Todos os músicos tinham capacidade acima da média, mas ninguém chegava a ofuscar a contribuição dos demais. Embora os motivos alegados para a saída de Peter Gabriel fizessem menção ao incômodo sentido pelos demais integrantes pela atenção extra que o vocalista recebia, isso se devia mais ao carisma absoluto do cantor. É certo que, se por um lado, Gabriel, apesar de possuir uma bela voz, não ter o mesmo alcance de um Jon Anderson ou um Greg Lake, compensou com uma presença de palco impressionante, que aqueles já não possuem na mesma intensidade. Tal presença enriquecia as apresentações do grupo como um todo, mas não evitava que a imprensa, de forma equivocada, acabasse dando mais destaque à atuação de Gabriel.
Mas, voltando ao disco, a segunda música é o hit I Know What I Like e eu já li manifestações de má vontade para com a mesma por causa de sua suposta aura pop. Creio que essa impressão pode ser causada pelo refrão da música, que realmente tem um gancho fortíssimo, fazendo com que qualquer pessoa o repita após ter ouvido uma única vez, mas, fora isso - e sem deixar de mencionar que é de fato um excelente refrão - o restante da música não soa pop de forma alguma. É uma faixa tradicional do Genesis, mais curta do que as suítes mais badaladas, mas nem de longe tão pop quanto, por exemplo, poder-se-ia dizer da bela balada acústica More Fool Me. Saber, aliás, que essa última era cantada pelo baterista Phil Collins, já apontava para o que o tempo nos revelou sobre este, mas isso é outra história...
Apesar dessa variedade de percepções entre as faixas do álbum, a sua audição completa ressalta a fluidez do trabalho. A forma como as canções – e as variações dentro dessas – se sucedem, sem que haja qualquer quebra abrupta do clima, faz com que tudo soe, ao final, como uma única longa composição. No seu decorrer, confirmando que os compositores de rock progressivo da primeira geração - na maioria egressos dos conservatórios ou das escolas de arte - são legítimos herdeiros dos autores clássicos, percebemos que os momentos em que a banda aparece com mais coesão são encadeados com as passagens mais eruditas, enriquecidas com as intervenções de flauta e oboé, executados por Gabriel. A peça instrumental After the Ordeal é uma que olha bem para os dois lados: começa com uma execução bachiana de Steve Hackett e emenda com um acompanhamento feito pelo restante da banda, numa levada que remete ao King Crimson antigo, e com uma melodia de guitarra em seu final que faz com que se deseje que a música não termine ali, prossiga ad infinitum...
Em Firth of Fifth, essa sensação ocorre novamente. Há um trecho intermediário que começa suavemente, como uma peça de música de câmara, e, se você não estiver atento, vai se perguntar de onde surgiu o som de guitarra, tal a naturalidade com que aparece na composição. O instrumento é dedilhado até repetir o mesmo fraseado que, lá atrás, foi executado na flauta e enche a peça de coesão.
The Battle of Epping Forest é o momento teatral do disco, onde Gabriel se deleita na interpretação de vários personagens em uma música, no meio de uma narrativa sobre briga de gangues. Pela sua estrutura, acaba ficando um pouco truncada, mas a plenitude retorna com a última grande faixa: The Cinema Show. De início suave, ela tem toda sua segunda metade ocupada por uma jam instrumental de êxtase absoluto. Eu teria que procurar alguns outros sinônimos para o adjetivo beleza, para descrever a contento essa e as demais passagens instrumentais do álbum.

Mais à frente, Gabriel e Steve Hackett sairam. O Genesis se descaracterizou aos poucos  e obteve um sucesso extraordinário, fazendo músicas para FMs. Vez por outra os músicos se reencontram, tiram umas fotos e falam sobre reunião. Dado a disparidade do que fizeram Gabriel e Collins em suas respectivas carreiras, é melhor deixar pra lá. A contribuição desse gigante para a música já foi cumprida e é melhor que ele permaneça adormecido, para que não corra o risco de ser novamente despespeitado.

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