domingo, 28 de dezembro de 2014

BLUES BREAKERS




O blues é um estilo muito básico, muito simples. Tem um determinado número de padrões de levada que todo mundo já deve ter ouvido repetidas vezes em repetidas músicas, sejam do estilo ou não, já que suas escalas são amplamente utilizadas na música popular contemporânea. O que fascina é a forma como esse padrões, tão extensivamente aplicados conseguem, nas mãos certas, soarem sempre novos, sempre carregados de melodia e emoção. Tocar blues é a forma mais direta de expor a alma. A música sai mais do coração do que das mãos e é por isso que ela mantém o vigor constante. É tolice pedir a um blueseiro que faça algo em modo frígio ou sei lá o quê. No blues, uma única nota, que ressoa lânguida e amargurada, diz mais do que qualquer metralhadora estéril de sentimento.
John Mayall, inglês de nascença, já era um músico veterano quando começou a gravar seus discos e teve a oportunidade de, em seu segundo álbum, fazer parceria com Eric Clapton que, recém saído do Yardbirds, já era um nome de respeito, a caminho de receber o título de “Deus”. Goste-se ou não do que Clapton fez ao longo de sua carreira, não dá pra negar que o sujeito é um mestre absoluto do blues, um dos maiores músicos nesse estilo desde sempre. E a parceria entre os dois, infelizmente, gerou apenas o presente disco, que é um dos melhores, não apenas da discografia de Clapton, incluindo os futuros álbuns do Cream nessa conta, mas também, com certeza, um dos maiores discos de blues já feitos.
Na composição do disco, Clapton só participou de uma faixa, Double Crossing Time, um blues arrastadão, do tipo para ouvir bebendo whisky em um dia nublado. O restante são músicas de autoria de Mayall e clássicos do blues, tirados do cancioneiro de mestres como Otis Rush, Freddie King, do qual foi executada a instrumental Hideaway, Little Walter e Robert Johnson. É obrigatório destacar a cover de What´d I Say, do imortal Ray Charles, que teve intercalada, em sua execução, trechos de Day Tripper, dos Beatles. Um momento único da música, para dizer o mínimo.
Clapton canta apenas em Ramblin on my Mind, de Robert Johnson. Apesar dele nunca ter sido um grande cantor, consegue, com o seu timbre levemente rouco, transmitir a reverência que sente pelo antigo bluesmen, objeto de sua completa devoção. Se Clapton não chama a atenção como cantor, isso não faz nenhuma diferença. Seus solos cantam por ele e poucos guitarristas tem a mesma sensibilidade. Mayall, por outro lado, tem uma voz um pouco mais impostada e, entre suas próprias músicas, dá pra destacar o hard boogie Little Girl.
Conhecendo o histórico de Clapton, dá para imaginar que essa parceria não iria muito longe mesmo. Não deu tempo de haver um segundo disco, pois o surgimento do Cream estava no caminho e olhando em retrospectiva, isso era uma prioridade indiscutível, mas o que importa é que os dois músicos continuam ativos e ainda fiéis ao blues. Mayall, com um pouco menos de estrelato que seu colega, mas ainda, aos 81 anos de idade, ativo e respeitado. O blues sempre teve o whisky como sua bebida símbolo. Deve ser uma analogia indireta ao fato de que os anos agregam mais sabor à música dos artistas, como em nenhum outro estilo acontece da mesma forma.
P.S.: Obrigado mais uma vez, amigo Holanda, por ter me mostrado tanta música boa...

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